O Ministério da Saúde revela que há mais mulheres e raparigas que procuram pelos serviços de aborto seguro em Moçambique, o que de certa forma, contribui para a redução de abortos clandestinos, graças a lei que despenaliza o aborto, e sobretudo, ao apoio de alguns parceiros que atuam neste sector na massificação do acesso à informação e acessibilidade aos serviços e cuidados do aborto. A Responsável Nacional de Saúde Materna, no MISAU, Vânia Benzane, teceu estes pronunciamentos na última quinta-feira, 26 de Maio, em Maputo, durante a mesa redonda de reflexão sobre o Aborto em Moçambique, um evento enquadrado na celebração do dia 28 de Maio – Dia Internacional de Luta pela Saúde das Mulheres – uma data que serve para chamar a atenção e consciencializar a sociedade sobre os diversos problemas de saúde e distúrbios comuns na vida das mulheres.
“Reconhecemos os desafios que ainda imperam sobre este tema, que de resto é controverso, dado aos mitos e tabus na nossa sociedade, porém, no meio desta adversidade há motivos suficiente para celebrar alguns avanços. É evidente que, desde 2018, ano que começamos com o programa de aborto seguro, tivemos uma redução bastante significativa de casos de abortos clandestinos e, principalmente, de complicações obstétricas na ordem de 40%, em todo país. Apareciam muitas jovens e adolescentes com perfurações no útero, infecções por causa do aborto inseguro que faziam nas comunidades, por um lado, mas hoje, por outro, o cenário inverteu totalmente, disse Vânia Benzane, que destaca o papel do ICRH-M, na promoção deste serviço, particularmente na província de Tete, com a implementação do projecto: Da Lei ao Acesso – Programa demostrativo sobre a realização do direito ao aborto seguro em Tete”.

É sobre este projecto que o Médico-chefe na província de Tete, Xarifo Gentivo, afecto aos Serviços Provinciais de Saúde, tratou de partilhar nesta mesa redonda, os resultados alcançados por este projecto implementado por ICRH-M com financiamento do SAAF, sobretudo em três distritos – Changara, Angónia e Cahora Bassa. “ De Janeiro de 2020 a Março de 2022, foi possível prover os serviços de aborto seguro a pelo menos 1800 mulheres e raparigas, que com motivos devidamente justificados, receberam o serviço, contra os 215 do baseline registados no ano 2019.
No mesmo sentido, reduziu em 75% o número de mulheres e raparigas que recorrem ao aborto inseguro e com complicações. Pelo menos 75%, correspondente a 1200 mulheres e raparigas que acederam ao serviço de aborto seguro e cuidados pós aborto, aderiram a algum método de planeamento familiar, com destaque, em cerca 80% (900 das 1200 mulheres e raparigas) ao método de longa duração. A resistência comunitária à provisão do serviço de aborto seguro, reduziu em 90%, ou seja, há maior aceitação destes serviços por parte da liderança comunitária, o que de certo modo, contribui para redução do estigma e da descriminação comunitária. Para garantir evidências de implementação, foram Documentadas as boas práticas das estratégias eficazes e localmente aceites de aumentar o acesso ao aborto seguro, por intermédio de um vídeo-documentário – relatou Xarifo Gentivo que, mais adiante lembrou que este resultados só foram possível alcançar graças à intervenções voltadas a redução de barreiras institucionais e sociais ao aborto seguro, com a formação em pacote completo de aborto seguro e normas clinicas a diversos actores, desde logo, de 50 enfermeiras de SMI para prover, com qualidade, o serviço de aborto seguro, apetrechamento das US, oferta de insumos, com destaque ao seguro intimo, a formação de 109 membros de comitê de cogestão das US, 65 activistas de saúde, 19 jornalistas comunitários e 150 lideres comunitários para garantir o acesso à informação sobre a oferta dos serviços de aborto seguro e conhecer a lei que despenaliza o mesmo, uma vez que ao nível da comunidade existia a ideia de que o mesmo é crime, e é o cobrado – o que é totalmente inverso.

É esta abordagem comunitária que, para o MISAU, é um modelo a seguir, uma vez que ficou provado que é possível massificar o acesso à informação, melhorar a qualidade de vida da mulher e da rapariga, e reduzir os casos de abortos clandestino que, segundo Vânia Benzane, ainda colocam as províncias de Inhambane e Gaza na rota das estatísticas com maiores índices de abortos inseguros, onde uma em cada quatro mortes, em mulheres com idades compreendidas dos 15 aos 19 anos, estão relacionadas com o aborto clandestino. “A informação foi divulgada, mas muitas mulheres não sabem que, a nível do Sistema Nacional de Saúde, o aborto é gratuito”, disse a responsável de saúde materna no MISAU.
Para ICRH-M, esta é uma oportunidade ímpar para partilhar a sua experiência e influenciar para um ambiente mais favorável à acções concretas para reduzir mortes por aborto inseguro, por isso, segundo Málica de Melo, Directora Nacional desta instituição de referência no campo da Saúde Sexual reprodutiva, vai continuar a apoiar o sector da saúde com programas que trazem mudanças na vida da população, com a implementação de vários programas, tanto comunitários e clínicos. Contudo, Málica de Melo, destaca o papel importante que a rede DSR e AMOG em particular desempenhou para que estes resultados no aborto seguro fossem uma realidade – “Todas as capacitações realizadas em pacote completo de aborto seguro, as visitas de supervisão e apoio técnico, sempre contamos com a AMOG, que de resto, saudamos esta parceria e agradecemos pelo apoio”, disse de Melo.

Na mesa redonda, houve espaço ainda, para apresentação de outros temas tão relevantes quando o assunto é aborto. Nafissa Osman, membro da Associação de Médicos Obstetras e Ginecologistas – AMOG, ficou encarregue de trazer ao debate o tema: Como contornar a objecção de consciência dentro dos actores válidos no processo de aborto? Aspectos legais de implementação da lei – Insights da FIGO. Aqui, Nafissa Osman tratou de esclarecer sobre as barreiras existente para que este serviço não seja oferecido, falando em concreto da objecção de consciência que é, nada menos que: a recusa em desempenhar uma função ou cumprir uma responsabilidade por causa de crenças pessoais, religiosas ou morais. No contexto da atenção ao aborto, invocando a objecção de consciência tornou-se um fenómeno global generalizado e que constitui uma barreira para esses serviços para muitas mulheres. Nestas circunstâncias, segundo a palestrante, sendo o aborto um serviço essencial para a mulher na sua autonomia reprodutiva, em momento algum lhe deve ser negados. Nafissa Osman esclarece “Todos os provedores têm a responsabilidade profissional de garantir que todos os pacientes recebam os cuidados que autorizaram no processo de consentimento informado, e caso o provedor de saúde se encontre em situação de objecção de consciência é respeitada a sua posição e salvaguardada, mas deve fornecer encaminhamentos para garantir que mulheres e meninas necessitadas possam aceder esses serviços em tempo hábil.

Participaram desta mesa redonda 40 pessoas em representação de organizações da sociedade civil que actuam no campo da saúde, desde membros da Rede de Defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, OMS, MISAU, entre outras organizações. Organizado pelo ICRH-M, o evento serviu de antecâmera às festividades do 28 de Maio – Dia da Luta pela Saúde das mulheres e este ano celebrado sob o lema: ̋Quebre o preconceito! Imagina um mundo com igualdade de género, livre de preconceitos, discriminação e com a valorização da saúde da mulher.
