O Distrito de Tsangano, a norte da província de Tete, está a braços com o crescente número de uniões prematuras que muito contribuem para gravidezes precoce e abandono escolar. O facto já começa a preocupar as autoridades de saúde do distrito, que neste momento desdobram-se em acções para reverter o cenário, descrito como causa principal, as normas culturais do distrito, que acabam empurrando, muito cedo, as raparigas para uniões precoce. Só no ano passado, fizeram a primeira consulta pré-natal no SAAJ, 8731 adolescentes, maioritariamente entre os 15 aos 19 anos. Em 2020, os 7 centros de Saúde do distrito de Tsangano registaram 8130 casos, um incremento em 7%.
A Enfermeira de SMI, e responsável distrital do SAAJ em Tsangano, Telma da Costa Xavier descreve este fenómeno como grave, uma vez que é no adolescente onde reside o futuro do distrito, porém, confirma as causas por detrás deste problema: “A cultura do distrito pode estar por detrás deste dilema, porque, uma vez a rapariga com a primeira menstruação, já é tida como grande e já pode se casar. Lutamos contra isso, porque não é uma prática saudável, por isso, quando estas adolescentes vem ao SAAJ, do nosso lado, aconselhamos a aderir a algum método contraceptivo e de longa duração de preferência, para dar o espaçamento necessário e garantir que esta rapariga continue a ir a escola”.

Quem também alinha no mesmo pensamento, é Ismael Domingos, Actor Comunitário que trabalha na sensibilização da comunidade sobre os direitos sexuais e reprodutivos. Segundo afirma, todo este problema que afecta a juventude do distrito está relacionado com o início precoce da actividade sexual, a inexistência de fontes de acesso à informação e pelo facto de as comunidades estarem distantes da unidade sanitária.
“Tsangano tem grave problema de casamentos prematuros causados por uniões precoces, e esta prática está aliada à desinformação na camada jovem, a falta de acesso aos serviços ligados à SSR, porque a maior parte das Unidades Sanitárias do distrito estão distantes da comunidade, e estes tem pouca informação, por isso, o desafio é fazer chegar a informação e trazer essas pessoas mais próximas aos serviços de saúde ou, vice-versa”, disse Domingos. Contudo este problema pode ter dias contados. É que o distrito de Tsangano conta desde os finais do ano passado, com um cantinho para atender assuntos de adolescentes e jovens com privacidade e aconchego, com a entrada em funcionamento de um SAAJ especifico, em pelo menos duas unidades sanitárias, em Tsangano Sede e CS de Ntengo Wa Balame, que foram reabilitadas e apetrechadas com o parceiro de saúde, concretamente, o Centro Internacional para Saúde Reprodutiva, o ICRH-M, que implementa nesta parcela do pais, o projecto Acesso Sem Barreiras desde o ano de 2020.

Telma Xavier, responsável do SAAJ, congratula-se pelos esforços que são levados a cabo no distrito pelo ICRH-M para reverter o cenário. “Sair do SAAJ integrado para o específico foi uma mais-valia para o distrito porque tínhamos adolescentes que procuravam o SAAJ, mas como era integrado e as consultas eram feitas ao lado de outros pacientes, ou mesmo seus pais, não garantia privacidade alguma, isso criou algum receio no passado, de os jovens não aderir ao SAAJ, por isso que, nessa altura, notamos alguma queda na aderência. Contudo, agora com o SAAJ específico, a coisa mudou de figura, a demanda é maior e muitos jovens já conhecem o SAAJ, vem para diversos serviços desde aconselhamento em saúde e testagem. Em média, atendemos aqui, mensalmente, 250 adolescentes e jovens.
E olhando para os dados estatísticos da Unidade Sanitária de Tsangano Sede por exemplo, comprovam isso. Em 2020, o SAAJ recebeu 366 adolescentes e jovens e, 2021 foi o ano da viragem, pois, visitaram pela primeira vez o SAAJ, que agora é específico, 2139 adolescentes para diversas consultas. “O facto de Tsangano sede ter um SAAJ específico é um passo muito grande dado para a Saúde Sexual e Reprodutiva dos jovens e adolescentes, porque agora, nas nossas sessões de sensibilização e referência temos onde apontar, e estes possam ter serviços específicos de jovens. Anteriormente tinham medo, vergonha, porque é onde os pais, tios eram atendidos, e acabavam recuando. Agora estamos a sentir uma mudança, que há uma redução dos índices de casamentos prematuros, e acredito que vamos festejar no futuro, dado a existência do SAAJ especifico”, disse Domingos.
Virgílio Fernando, adolescente de 16 anos de Idade, já iniciou a actividade sexual. Sabe que em Tsangano existe um cantinho para melhor obter mais informações sobre sexualidade. Por isso, veio, para além de fazer o teste de HIV, levantar preservativos porque entende que é o melhor mecanismo para se proteger de doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez.
Mas, como é que estes adolescentes e jovens passaram a conhecer o SAAJ?
“ É graças ao trabalho que os activistas, professores das escolas aqui em Tsangano, que depois de formados em matérias de SSR, já fazem palestras e sensibilização nas comunidades e escolas, a divulgar os serviços de SAAJ, mas, e sobretudo, na difusão de informação para a mudança de comportamento, neste ponto contamos também com a rádio comunitária que desempenha um papel importante.
Todo adolescente e jovem tem direito de ter acesso à informação sobre a SSR: Portanto quais são as acções concretas que podem ser levadas ao cabo para que este jovem esclareçam as suas dúvidas?

É justamente sobre este propósito, que diversas acções complementares, foram levadas a cabo pelo ICRH-M, através do projecto Acesso Sem Barreiras, com a formação na última semana, primeiro de 15 activistas de Saúde, durante três dias intensivos, e segundo, por dois dias, igual número de professores das escolas primárias e secundarias de Tsangano em matéria de Saúde Sexual e Reprodutiva, Comunicação interpessoal e inclusão de Pessoas com Deficiência.
Victor Chinoza’, Assistente Distrital do projecto Acesso Sem Barreiras e um dos formadores, contextualiza a integração de professores neste pacote de saúde, para aproveitar do seu estatuto, para a mudança de comportamento: “Acreditamos que com os professores formados, ajudarão a Unidade Sanitária a trazer a mudança de comportamento dos adolescentes e jovens, a partir deste elo de ligação entre a comunidade, as escolas, e os serviços de SAAJ. A importância dos professores formados é que os mesmos passaram a fazer sessões nas escolas com os seus alunos e que estes participem do debate, com o objectivo de despertar curiosidade deles visitarem ao SAAJ. Ora, estes os (professores) já estão preparados para responder todas as dúvidas que poderão ter, através do jogo de cartas.
Por sua vez, os professores vê com bons olhos a sua integração, como agentes promotores de mudança, até porque: “Eu penso que o projecto fez uma boa aposta ao integrar os professores nesta formação de SSR e comunicação interpessoal, porque, na verdade, os professores são os pilares, são eles que trabalham e passam mais tempo com os adolescentes desta faixa etária na escola. Ora vejamos, em casa, estes jovens e adolescentes, os pais e encarregados de educação não tem tido tempo para puder difundir esta informação e ou conversar sobre estes temas com eles. Gostei mais desta formação, na componente de inclusão de pessoas com deficiência. Foi o que mais me surpreendeu, porque, vezes sem conta, indiretamente, deixávamos para trás uma camada social que também tem direitos e deveres”, disse Ângela Regina Manuel, professora da Escola Secundária de Fonte Boa em Tsangano.
Manuel Chichaque – Professor de Biologia na Escola Secundária de Tsangano Sede sustenta: “Eu enquanto professor, e com os conhecimentos que aqui adquiri nesta formação, tenho agora a oportunidade para contribuir no combate às gravidezes precoces, e uniões prematuras, porque faço parte da interação directa com este grupo-alvo. Particularmente, eu aprendi como lidar com adolescentes e jovens com deficiência. A primeira acção é desde já organizar e planificar sessões com as crianças, para puder aproximar a eles aos Serviços de SAAJ.
Por seu turno, Ismael Domingos, paralegal no distrito, que integrou a turma dos activistas, que foram formados em técnicas para realização de diálogos comunitário, este foi um momento único, poís, viu-se emponderado para olhar um pouco mais sobre a inclusão de pessoas com deficiência nas suas actividades na componente dos direitos humanos. Domingos, mais adiante afirma: “esta formação trouxe novas coisas, a começar pela abordagem que é mais inclusiva, e segundo, pelo material didático de ilustração, pois as actividades feitas anteriormente eram em palavras, textos longos, mas agora já temos como ilustrar nas nossas sessões. Já sabemos como garantir mais interação com os adolescentes, e com este kit, vai mudar muito a minha maneira de trabalhar com a comunidade, visto que trabalho com líderes comunitários de Tsangano.
Que impacto trará na sociedade, com todos estes actores formados, especialmente os professores? perguntamos ao assistente distrital do projecto Acesso Sem Barreiras:
“É porque os professores são as pessoas que passam maior parte de tempo com os adolescentes e jovens, e maior parte das vezes, são os mesmo que são mais ouvidos com os alunos do que mesmo com os pais. Por isso, queremos usar esta vantagem que os professores tem na sociedade para trazer a mudança de comportamento dos adolescentes e jovens, porque não é costume e nem normal que estes jovens abordem questões relacionados a SSR abertamente”, elucidou Chinoza.
Porque um dos objectivos da formação destes actores é mesmo de garantir que os assuntos relacionados a SSR sejam abordados de maneira aberta e que ajudará nas decisões conscientes e informadas dos adolescentes e jovens, aos professores foram disponibilizados kits de comunicação interpessoal, composto por jogos de cartas, para que possam usar para orientar as suas sessões. Este kit tem várias técnicas, metodologias e práticas que ajudarão os adolescentes a partilhar as suas experiencias.
O projecto Acesso Sem Barreiras com uma abordagem de desvio positivo para melhorar a comunicação e os serviços de SSR dos adolescentes, é implementado em Tete, nos distritos de Tsangano e Changara e, em Maputo, nos distritos de Moamba e Magude, pelo consórcio PCI Midia, TV Surdo e ICRH-M. Teve início em 2020 e termina em Maio de 2023. O doador é o Governo de Flandres. (*)
