Celebra-se hoje, o Dia Internacional do Aborto Seguro. Sob o lema” Aborto em tempos incertos” pretende-se trazer à reflexão, um conjunto de eventos que colocam a mulher e a rapariga em situação de maior vulnerabilidade (Pandemia da COVID 19, desastres naturais, situações de conflitos) que resultam no fraco acesso aos direitos e serviços de Saúde Sexual e Reprodutivo em especial o Aborto Seguro.
A Rede dos Direitos Sexuais e Reprodutivos de Moçambique (DSR), uma plataforma que congrega 25 organizações da Sociedade Civil que lutam pelos direitos e liberdades sexuais decidiu, tal como tem vindo a fazer desde 2013, ao assinalar esta data, insta o Governo e todos os sectores da sociedade a investir mais na saúde das mulheres e raparigas, divulgando com maior incidência a lei que despenaliza o aborto, ampliando o acesso aos serviços de aborto seguro com qualidade e, respeitando os compromissos assumidos internacionalmente e a nível nacional contribuindo, assim, para a plena participação destes dois grupos no desenvolvimento do país.
O nosso compromisso com o acesso ao Aborto Seguro, tem que ver com o facto de:
- Em muitos países do mundo, com maior destaque aos paises em vias de desenvolvimento, o aborto inseguro ser um problema de saúde pública, sendo considerado uma das 5 principais causas de mortalidade materna em Moçambique.
- Apesar dos esforços envidados pelos diferentes sectores, a mortalidade materna continua elevada. De acordo o Inquérito Demográfico de Saúde, o rácio de mortalidade materna passou de 975 em 1997, mantendo-se estagnada em 408/100 000 nascimentos vivos em 2003 e 2011. De acordo com o censo populacional, em 2007 a mortalidade materna passou de 500/100 000 para 452/100 000 nados vivos em 2017, facto que continua a colocar Moçambique dentre os países onde as mulheres têm elevado risco de morte durante a gravidez, parto e puerpério.
- O aborto inseguro, realizado através de métodos como medicamentos tradicionais, ingestão de produtos caseiros (como detergente, coca-cola e sal) e toma de medicamentos sem acompanhamento médico, muitas vezes resulta em complicações graves que podem causar doença, infertilidade, e até mesmo a morte.
Basta um click para ter acesso ao comunicado da Rede DSR sobre o dia do Aborto.
Sabe-se que 40% da mortalidade materna poderia ser evitada, se a taxa de uso de contraceptivos fosse mais elevada. Segundo o IMASIDA 2015, em Moçambique apenas 25% das mulheres usam algum método de contracepção e 2 em cada 10 mulheres não tem meios para evitar uma gravidez.
O Planeamento familiar é um direito fundamental básico, onde a mulher deveria ter a prerrogativa e a capacidade de escolha e de decidir quando e quantos filhos deseja ter e se os quer ter. Os direitos das mulheres, muito em particular das mais jovens (com maior enfoque para as raparigas) são dificultados pelos preconceitos, falta de informação, valores culturais, mitos e crenças que perpetuam a discriminação. É assim que no nosso país, e segundo o IDS 2011 – 1 em cada 2 meninas dos 15 aos 19 anos de idade, são mães ou estão grávidas; sendo que 1 em cada 2 mortes entre as mulheres dos 15 aos 24 anos de idade, é devido as causas relacionadas ao aborto inseguro.
Para fazer face ao cenário acima:
Com o acesso universal ao aborto seguro, a magnitude dos abortos inseguros e os seus efeitos negativos será eliminado.
- Com o grande contributo da Rede DSR nas suas acções de advocacia e lobby, o aborto foi despenalizado em Moçambique, pela lei 35/2014 de 31 de Dezembro que aprova oCódigo Penal, sob algumas circunstâncias e numa unidade sanitária à pedido da mulher até 12 semanas de gravidez (ou até 16 semanas em caso de violação/incesto, ou 24 semanas em caso de anomalia fetal) e sem limite de idade, caso a vida da mulher ou da rapariga esteja em risco.
- Já com todas as condições legais reunidas, o Ministério da Saúde conceptualizou as Normas Clínicas sobre o Aborto e as publicou, através do Diploma Ministerial 60/2017 de 20 de Setembro, com orientações operacionais para a sua implementação. Com a aprovação das Normas Clínicas, o Ministério de Saúde avançou significativamente para a operacionalização da Lei, introduzindo o serviço gradualmente nas unidades sanitárias, e de forma gratuita.
Vários avanços foram atingidos, com a intervenção das organizações membro da Rede DSR, tais como:
- A capacitação dos provedores de saúde num pacote completo de aborto seguro a nível nacional,
- Melhoria dos serviços de Ginecologia, disponibilização de insumos, divulgação da lei, aprovação de instrumentos para melhoria da qualidade dos serviços de aborto entre outras actividades, sob a coordenação do Ministério da Saúde.
Contudo, os serviços ainda são muito limitados, permanecendo de uma forma geral, ainda inacessíveis principalmente nas zonas rurais e mais recônditas, deixando as mulheres e raparigas que estão perante uma gravidez indesejada sem outra alternativa senão a de recorrer a um aborto inseguro, com todos os riscos daí advindos, tudo porque ainda falta informação e o acesso aos serviços em todas as unidades sanitárias ainda não é abrangente.
Realçamos que as mulheres mais jovens e mais pobres são, por razões relacionadas com injustiça social, as mais vulneráveis. Assim sendo, persiste a necessidade da expansão do serviço até as unidades sanitárias mais periféricas e de tomar medidas para enfrentamento do estigma e mitos relacionados com a interrupção de gravidez.
Por isso, a Rede DSR, enquanto defensora dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, celebra esta data como marco importante e de avanço nesta área, recordando e apelando a todas as forças vivas da sociedade, o Governo, parceiros e doadores nacionais e internacionais a redobrarem esforços para que a aplicação clínica da Lei tenha os efeitos desejados e imediatos, de modo a garantir o acesso universal ao aborto seguro no nosso país, sendo prioritário abordar todos os aspectos que possam constituir barreiras, passando pelos mitos e tabus, clarificando os valores relacionados ao aborto bem como a disseminação da Lei entre todos os estratos sociais, considerando uma abordagem multissectorial.
Bem-haja o 28 de Setembro, bem-haja a saúde da mulher e da rapariga.
Não deixe de ver também o video documentário sobre a implementação do programa aborto, na provincia de Tete. Clique aqui.
Ganhos Da Lei Da Despenalização Do Aborto Em Moçambique: Projecto Aborto Seguro em Tete.