É com esta pergunta-chave que conversamos, à margem da revitalização da Rede DSR, com a responsável da maternidade no CS de Saúde de Magoe, em Tete, um dos sites que o ICRH-M, com apoio financeiro do SAAF estendeu o projecto: Da Lei ao Acesso: Programa demostrativo sobre a realização do direito ao aborto seguro em Tete”, em Agosto do ano passado. Ela conta que, o projecto veio contribuir para a redução dos abortos clandestinos no distrito e, o facto de não haver objeção de consciência a todos os níveis, já é por si uma vitória para o sucesso do mesmo.
Pode ver aqui:
- Primeiro episódio: É preciso fazer mais em prol dos Direitos Sexuais e Reprodutivos.
- Segundo episódio: Como garantir que a comunidade tenha maior acesso à informação e ao serviço de aborto seguro nas unidades sanitárias?
Fique, com o mais essencial desta conversa aqui, neste terceiro episódio de revitalização da Rede DSR em Tete e saiba que papel os ativistas comunitários desempenham na promoção dos direitos sexuais e reprodutivos neste distrito.

- Maribela Dias – Enfermeira de SMI e responsável da Maternidade no CS de Magoe em Tete.
Louvamos a iniciativa, e por Magoe ter sido abrangido pelo programa de aborto seguro via parceiro, porque temos aqui a oportunidade de reduzir os abortos clandestinos e consequentemente as mortes maternas com a oferta dos serviços de aborto seguro, com maior difusão da informação na comunidade da existência deste serviço.
Pergunta: Quais os resultados alcançados nos últimos cinco meses, com a expansão do serviço de aborto seguro?
Começamos há pouco tempo e já notamos resultados, e com o incremento do serviço de aborto seguro, temos a certeza que vai reduzir consequentemente os abortos clandestinos. Nos últimos 5 meses, temos registos de pelo menos 50 casos de abortos seguros, contrariamente a quase nada antes deste programa. As mulheres e raparigas que cá vem para aceder aos serviços, deixam o seu sentimento, elogiando esta abertura, a aprovação desta lei, porque veio reduzir as mortes maternas e complicações dos abortos inseguros, sobretudo, com a mensagem de que é “MAHALA” – Aqui muda tudo. Quando estas mulheres e raparigas tem esta informação, mesmo que cheguem na unidade sanitária e alguém queira condicionar este serviço, esta acção não se concretiza, pois, a mulher está informada e sabe dos direitos que tem.
Nós como distrito, como sector de saúde, sentimos que há mudanças e paulatinamente, enquanto seguimos com a massificação da informação e com oferta gratuita do serviço de aborto seguro, vamos reduzindo práticas inseguras, uma vez que, começa a haver mais aderência dos serviços aqui na Unidade Sanitária.
Pergunta: E é frequente aqui no distrito a existência de casos de uniões prematuras?
Sim, lutamos e é nosso desejo ver reduzidas as uniões prematuras e gravidezes indesejadas na comunidade. Por isso, temos também a destacar o papel das lideranças comunitárias nesta caminhada, pois, tem nos ajudado na identificação de casos que necessitem de intervenção médica; e não menos importante, é uso da rádio comunitária, onde usamo-la para falar das desvantagens do aborto inseguro. Há também palestras Intra e extra-hospitalares – tudo para desincentivar a prática dos abortos clandestinos e uniões prematuras.
- Filomena Pirigane – Ativista formada em Matéria de Aborto seguro no distrito de Magoe.
O facto de haver actores comunitários formados e informados sobre o projecto, já por si é um resultado, pois, vezes sem conta, nos ativistas, deparamos com situações de abortos lá na comunidade e se não estivermos habilitados, dificilmente podemos ajudar.
Eu trabalho em três bairros do distrito, faço palestras sobre aborto seguro aos líderes comunitários, as mães, mulheres e raparigas, jovens e adolescentes sobre o aborto que, antes era considerado crime, mas agora, já existe uma lei que despenaliza o aborto, estabelecendo normas e critérios. Se uma menina, por exemplo, com gravidez indesejada, e não gostaria de continuar com a gestação, mostramos a ela que existe um meio seguro para interromper, através de um aborto seguro na Unidade Sanitária.
Estamos conscientes que NÃO ESTAMOS A PROMOVER O ABORTO – e isto deve ficar claro. É esta mensagem que também procuramos transmitir. Antigamente, as pessoas que não quisessem continuar com a gravidez, recorriam sempre ao método inseguro e clandestino, e terminava muitas vezes em mortes escondidas por temer represálias ou estigma social. Por isso, nós assumimos e recebemos este programa com duas mãos aqui no nosso distrito, que tem registado maior índice de uniões prematuras resultante de gravidezes indesejadas. Não estamos a promover o aborto nos adolescentes, mas sim, sentimos que estamos a educar a estas raparigas a pautarem pela prevenção e em última instância saberem que, não querendo a gravidez, dentro dos critérios estabelecidos, existe o programa de aborto seguro aqui no distrito e é “Mahala”.

Pergunta: Que benefícios este programa traz?
Antes de falar dos benefícios deste programa na vida das pessoas, devo falar de mim – eu particularmente, não sabia da existência deste programa. Logo, sou também beneficiaria. Sinto que, com o nosso trabalho, estamos a contribuir para a redução dos abortos clandestinos, porque a mensagem já começa a chegar a quem realmente precisa. Quando chegamos à comunidade, somos acolhidos, as pessoas nos ouvem, e de facto, reconhecem a importância das mensagens passadas. Reconhecem, admirando pela positiva, o facto deste serviço ser gratuito na Unidade Sanitária o que vem reduzir as cobranças ilícitas. As pessoas estão mais conscientes.
Pergunta: Que mensagem gostaria de partilhar a sociedade?
Jovens e raparigas: Continuem a prevenir-se, porque a prevenção de uma gravidez não é só com o aborto seguro, até porque não é um método de prevenção, devem e tem de usar o preservativo para quem já iniciou a vida sexual para não só evitar uma gravidez indesejada, mas também de doenças sexualmente transmissíveis, como as ITS, HIV. (*)
Chegamos ao fim do terceiro episódio, das constatações verificadas durante o processo de revitalização da Rede DSR em Tete, na expectativa de que, caro leitor, tenha absorvido sobre os passos que precisam ser dados para que, efetivamente, o serviço de aborto seguro, enquadrado nos direitos sexuais e reprodutivos sejam observados.
Vale salientar que esta actividade de fortalecimento da Rede DSR na província de Tete, está enquadrado no projecto: Da Lei ao Acesso, que vem reforçar o serviço nacional de saúde para prover o serviço de aborto seguro (incluindo o planeamento familiar no pós-aborto com um enfoque para os métodos de longa duração) nas unidades sanitárias dos distritos de Cahora-Bassa, Angónia, Changara e Magoe e, igualmente, ao nível da comunidade, para aumentar o conhecimento e transformando normas prejudiciais de género, desconstruir mitos e desinformação sobre o aborto e quebrar tabus. O projeto trabalha com atores comunitários e as rádios comunitárias
Ao fortalecer a Rede DSR na província de Tete e sua ligação com a Rede Central, se quer ver fortes e conectadas, refletindo em conjunto sobre como a política sobre a Lei do Aborto Seguro está sendo implementada em nível nacional, potenciando as atividades de advocacia sobre o aborto seguro com os líderes em diferentes níveis (distrital, provincial e central) para desconstruir valores negativos em relação ao aborto; e reduzir gradativamente o número de objetores de consciência, bem como criar uma massa crítica que traga discussões abertas sobre o aborto seguro (e na perspetiva dos direitos sexuais e reprodutivos).